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Casais devem compartilhar redes sociais?

Por Joelson da Silva Fernandes - Psicólogo

Para escutar a leitura em áudio desse texto clique aqui

Imagine só você se um drone equipado com câmera e microfone te seguisse durante o seu dia, registrando todas as conversas, desde as mais formais, àquelas em que um amigo desabafa contigo os problemas no trabalho ou no relacionamento. Tem ainda aquelas conversas mais triviais, com piadas internas e tal. 
Desde que nasce só você tem acesso aos registros. Mas então você decide namorar ou casar com alguém e discutem que, como um "bom casal", num relacionamento onde reina a confiança, ambos terão livre acesso a esses conteúdos um do outro. Afinal, que mal há se vocês não tem nada a esconder? Quem não deve, não teme! Se é um relacionamento de honestidade não tem por que não! E se você desejar manter privacidade quanto a essas interações logo merece que o outro desconfie de você. 
Então imagine que, a qualquer momento, a tua companheira ou teu companheiro pudesse acessar remotamente as imagens e áudios desse drone e ver as interações que você tem com qualquer um: seu chefe, colegas de trabalho, amigos, conhecidos etc. Haveria algo de errado nisso? Seria algo até bom né? Pois "te manteria na linha" e a cada vez que você pensasse em trair, desabafar com um amigo sobre dificuldades em seu relacionamento, ou fosse contar uma piada não tão politicamente correta, logo você pensaria duas vezes porque seu companheiro ou companheira tem acesso a tudo!
Esse trecho distópico pode assustar a maioria das pessoas, que logo diriam que isso é muito absurdo! Mas você sabia que esse drone já existe? E mais, já há muita discussão entre casais se um deve ou não ter livre acesso aos dados que esse drone registra sobre o outro. O nome desse drone é "rede social". Sim! Com a facilidade de interação via mensagens é possível que grande parte de suas interações estejam registradas e acessíveis na rede. Essas mensagens são motivo de ciúmes quando são mostradas ou mesmo quando são reservadas. Alguns conselheiros amorosos não perdem tempo e o ‘casal blindado’ recomenda dividir Facebook (e deletar ex-namorados).
E quando o outro não dá livre acesso às redes sociais há quem busque um jeitinho e um tutorial de como acessar Whatsapp de maridos viraliza nas redes sociais. Não bastando isso, criaram um aplicativo 'Rastreador de Namorado' o qual, conforme o advogado especialista em direito digital, Victor Haikal, é ilegal se usado sem consentimento do outro.
Há quem defenda que tudo deve ser compartilhado. Outros acreditam que cada um compartilha aquilo que desejar. Vamos a algumas dessas opiniões:
Renato: Eu não posso confiar a minha vida cegamente nas mãos da minha esposa, se ela não me der acesso a todas as coisas. Confiar na pessoa é exatamente não ter nada a esconder¹.
Débora: 1+1=1 é isso que temos como base!! se casamos ou vamos casar vivemos como se fossemos um, dividindo, partilhando! temos que ter privacidades com pessoas alheias não com quem escolhemos viver, se usa pretexto para deixar em oculto é porque esconde algo! ninguém esconde ou oculta algo que não teme!²

Gisele: Não vejo necessidade de ter acesso aos contatos dele e nem ele aos meus, acho que quem confia não precisa ficar vendo chifre em cabeça de cavalo, e também depois de 7 anos a gente percebe que certas coisas são frescuras².
Carla: Acho errado não ter acesso as senhas de ambos. Casamento é cumplicidade , confiança, amor , carinho , parceria ... se tiver algo oculto isso não irá longe . Uma coisa que não aceito é segredo entre marido e mulher , devemos ser aberto e totalmente transparente um com o outro².

Carol: se esconde é porque tem algo errado né... Não me incomodaria de ele ler todas as minhas conversas com amigos e amigas... Mas ele se sente meio incomodado quando me vê com o celular dele na mão... mas eu já revirei do avesso... rsrsrs²

Rafael: Ninguém pode ter a privacidade invadida e a vida controlada por alguém, sob nenhuma hipótese. E isso vai além do ciúme e confiança, acreditem. Se você conversa o suficiente, prova seu amor com suas atitudes e consegue fazer feliz o seu par, sua vida não tem espaço pra esse tipo de desconfiança, necessidade de controlar o parceiro e coisas assim. Permitir que a pessoa tenha sua vida social (e, em particular, vida social na internet) é totalmente dentro do comum e altamente recomendado. Aliás, nem chega a questão de “permitir”, é questão de entender que ela já têm isso antes de começar a namorar com você e que é normal manter isso. Respeito³.

Keli: De casados já combinamos: teremos 1 só face, email, waths, livre acesso.... Mas por enquanto quero pode conversar com minhas amigas e elas poderem falar comigo sem se preocupar de ele ver... Enfim, ainda quero um pouco de privacidade já q estão com os dias contados...²

Loane: Eu não gosto de perfil conjunto, os próprios amigos se afastam e não seguem a mesma amizade como antes. Eu por exemplo tenho uma amiga que tem um facebook dela e do marido, eu nunca sei quem é que ta online e de repente quero conversar algo, ou postar pra ela, mas não necessariamente quero que o marido saiba. E se eu tenho uma amizade com alguém que conto alguma coisa no celular, to contando o segredo a um, não quero que o outro parceiro saiba... fica complicado.²

Paula: Já tive relacionamento onde o ex não deixava eu nem ver a cor do celular dele... o dia que eu peguei, achei outra mulher, outro filho, outra sogra, outra vida... kkkkkkkkkkkkkk²

Jéssica: Eu não tinha acesso ao celular do meu ex. Nunca mexi nas redes sociais dele. E não me sinto mal por isso... nunca fui bitolada e tals. Quando eu namorava ele não tinha liberdade pra mexer no meu celular e eu não tinha pra mexer no dele. Um não tinha nem a senha do celular do outro... porque a gente tinha amigos em comum e eles se abriam... e dai nada ver ele ler as conversas pessoais com minhas amigas ou eu as dele. Mas é porque eu entendo q a base de um relacionamento meu deve ser a confiança e se eu não puder confiar q ele sabe o que fazer com as redes sociais dele, também não posso confiar nele estando sozinho em qualquer lugar. E se eu não posso confiar não tem porque eu estar com ele... A maioria das pessoas não pensam assim. Mas eu não tenho paciência pra ficar vigiando os outros... acho um saco. E se ele estiver fazendo algo de errado uma hora ou outra aparece e azar o dele, eu sigo o baile hahaha. Acabou a confiança, acabou o relacionamento.
Rafael: Mostre que respeita a pessoa e não faça exigências nesse sentido. Ninguém é obrigado a dividir TUDO com o parceiro, cada um merece sua privacidade e individualidade. E se vocês decidirem por bem fazer isso, que seja natural e espontâneo. Pode até ser conversado antes, claro, mas que seja sem pressão. E entenda que se o relacionamento for uma eterna busca por evidências de que tem algo errado é melhor pensar bem se vale a pena ficar nessa³.
 Após essas diversas opiniões podemos analisar alguns argumentos.

"Se usa pretexto para deixar em oculto é porque esconde algo! Ninguém esconde ou oculta algo que não teme"! Esse argumento é baseado no ditado quem não deve, não teme! Logo, se você teme que seu companheiro ou sua companheira tenha total acesso às suas conversas, isso quer dizer que tem algo a esconder/temer e muito provavelmente o que você teme é que se descubra que você está traindo! É mesmo? Então fora uma possível traição você não tem mais nada que preferiria que ficasse apenas entre você e o amigo ou amiga com quem conversou? Como psicólogo, sem a menor sombra de dúvida, prefiro que, além das conversas presenciais, tudo o que converso pelas redes sociais fique entre mim e meus clientes. Por uma simples razão ética: confidencialidade entre cliente e psicoterapeuta. Por mais que eu oriente que eles devem deixar as redes sociais apenas para conversas tais como agendar ou transferir uma sessão, é comum que em momentos de angústia venham e desabafem ali, por alguma rede social mesmo. Se isso acontecer eles tem a garantia de ter seu sigilo preservado. 
Mas e você que não é psicólogo, também tem amigos que, assim como a Loane citada acima, desabafam algo contigo que gostariam que ficasse apenas entre os dois? É bem possível que sim. E não só em questão de desabafo, mas também é natural que alguém que seja amiga mais íntima sua (e não de seu companheiro) sinta-se à vontade para conversar coisas mais triviais, contar "causos" e fazer brincadeiras que, por ausência de intimidade com ele, ela só conversaria com você. Então é sim provável que as suas conversas devam ficar na sua privacidade, não só por você, mas até em respeito a quem conversa com você, pensando estar conversando realmente só com você, e isso não significa que você está escondendo uma "traição" do companheiro.
Os exemplos citados no parágrafo anterior nem chegam a levar em consideração quando um dos parceiros tem ciúmes beirando um nível patológico. Aquele nível em que o cara chega a ter medo de curtir até as fotos da mãe ou quando há brigas só porque um colega de trabalho vai parabenizá-la por uma promoção na empresa etc. Em um comentário de um post sobre o assunto um rapaz disse: "minha namorada acha que todas mulheres do meu face são prostitutas e bloqueia todas, tira até as curtidas....". Perceba que para pessoas que tem tendência maior a sentir ciúmes o acesso a conversas comuns pode ser uma dose venenosa!

"Temos que ter privacidades com pessoas alheias e não com quem escolhemos viver.[...] Eu não posso confiar a minha vida cegamente nas mãos da minha esposa, se ela não me der acesso a todas as coisas". Esse é um argumento muito comum àqueles que acreditam ser o casamento o fim da vida de dois por fundirem-se em uma só. Agora - dizem - andam numa mesma direção, seus amigos são comuns a ambos, conta bancária só pode ser conjunta e nada pode ocorrer sem que o outro possa saber. Em parte já respondi a isso. Por mais que sejamos um casal temos níveis de amizade diferentes com as pessoas, mesmo que sejam amigos em comum. Eu posso ter amizade com um casal conhecido meu e de minha esposa, mas me sentir mais à vontade para conversar com o marido, esperando que alguns temas de minha interação com ele fiquem entre nós e não deveria ser motivo para ela não confiar nele o fato de que ele não fale com a esposa o que tenhamos conversado pessoalmente, ou não mostre a ela nossa conversa via rede social.
Tempos atrás minha esposa e eu tínhamos amizade com alguns casais e frequentemente fazíamos atividades juntos. Com o decorrer da história um dos casais já não se enturmava mais, sempre dando diferentes justificativas para não mais saírem. Pouco depois um dos cônjuges do "par sumido" veio me chamar em particular e me segredou que não mais sairiam com os demais casais pois havia descoberto que as coisas ficaram "confusas" entre sua esposa e um dos maridos de outra e uma relação extraconjugal estava surgindo ali. Como ele segredou a mim, a minha esposa nunca ficou sabendo do caso e não é porque não confio nela e sim pois respeito a confidencialidade quando as pessoas me segredam as coisas, mesmo fora da relação psicoterapeuta-cliente.
Sem sombra de dúvidas as redes sociais podem facilitar infidelidades, do mesmo jeito que o companheiro ou a companheira trabalhar num local onde você não trabalha, estudar algum curso sem você, sair para o futebol ou bater papo com as amigas etc, mas o fato de que tudo isso pode facilitar infidelidades não é justificativa para retirar a privacidade dele ou dela para fazer qualquer dessas coisas. E confiar é estar tranquilo(a) apesar de todas essas possibilidades sem ter algum jeitinho de vigiar (mesmo que você acabe não vigiando).
Aí você pode me perguntar: "então devo confiar cegamente e pensar que nunca serei traído(a)? Não. Qualquer um de nós podemos ser traídos ou trair um dia. Mas não é retirando a privacidade alheia que você vai evitar que aconteça (e ter certeza é impossível). Em lugar disso, perceba e converse sobre quando houver falta de afeto, relações sexuais, tempo para os dois, diálogo etc. Se essas coisas estiverem indo mal, em lugar de ficar com paranóias, tentativas de vigilância e mania de perseguição é melhor buscar dialogar e até procurar a mediação de um psicólogo para que consigam ajustar os ponteiros.
Você pode perguntar também: "mas ter um pouco de ciúme não é bom?". Sim. É bom. Mas depende do que está provocando esse "pouco de ciúme". Se você nota que alguém está se dirigindo a ele ou ela de maneira mais íntima do que se espera de uma amizade, por exemplo, é mais do que certo você chamar atenção sobre isso e até esclarecer os limites (até mesmo dar aquele chega pra lá). Mas se o pouco de ciúme for por ter adicionado uma pessoa nova na rede social, aí já é de mais. Se há motivos para desconfiar, não feche os olhos. Mas não é necessário tolher as liberdades do(a) outro(a) para ter zelo para com o relacionamento.

Quando converso sobre o "confiar" com as pessoas, percebo entre elas duas definições diferentes. Confiar para umas é acreditar no parceiro sem que ele necessite ficar provando algo e portanto não seria necessário ter "acesso a todas as coisas". Para outros confiar é deixar todas coisas acessíveis um para o outro pois nenhum tem o que esconder. Essa segunda definição é a expressa pelo Renato, acima citado, que apesar de ser cristão acredita que para confiar é preciso tudo estar à vista. Me parece que isso não é consonante com a definição de confiança em Deus, o que também pode-se chamar fé: "Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem." Hebreus 11:1. Os cristãos acreditam não serem necessárias provas à vista para que em Deus se possa confiar, basta saber que seu padrão comportamental é de um Deus que é amor. Também tendemos a confiar no parceiro, ou na parceira, à medida em que há bom diálogo, demonstrações claras de afeto, atração e respeito.
Note que eu não estou dizendo que você deve confiar no companheiro ou companheira cegamente como algumas pessoas confiam em Deus (afinal somos todos de carne e osso). Estou dizendo que a vigilância não é um bom meio para estabelecer a confiança e que os sinais de uma relação saudável são um critério melhor sob o qual a confiança pode se estabelecer. Se isso não está presente, então o comportamento de não partilhar acesso às redes sociais não é o problema. Acontece que as pessoas vão se acostumando tanto com os desmandos e as faltas nos relacionamentos, que só vão tomar alguma atitude ou perceber que as coisas vão mal quando algo (como uma traição) é a gota d'água. Leia o seguinte relato:
Há algum tempo meu marido mudou muito, ele não me procura mais para termos relações, não conversa comigo e vive com o celular na mão conversando com alguém[...] Já tentei conversar mas ele não fala nada, já fui direta e perguntei se existe outra pessoa e ele sempre nega, mas me trata muito mal, chegando até a falar palavrões.4
Ora, essa mulher sim tem razões para não confiar. Não há ali bom diálogo, demonstrações claras de afeto, atração e respeito e então o relacionamento não está bem mesmo! É difícil haver confiança e se ele estiver tendo uma relação extraconjugal mediada ou facilitada pelo celular é um problema a mais. 

Não se iludam! Casais que não compartilham suas redes sociais traem e casais que compartilham também traem! Basta bater um papo com a vovozinha pra comprovar isso. Nutra uma relação saudável em que compartilham afeto, atração e interesses comuns que a necessidade de compartilhar redes sociais não será mais tão importante.
Vejo que geralmente casais que compartilham senhas e perfis de redes sociais permanecem juntos apesar disso e não por causa disso. De modo geral, é uma coisa com a qual aprendem a conviver e longe de ser uma prova de confiança é a mostra da falta dela. Pra toda regra há uma exceção, mas pelos relacionamentos que observo a regra é clara.

O mundo online não está separado do mundo offline. A mesma regra que se aplica ao acesso das interações que você tem com as pessoas offline deve se aplicar às interações mediadas por dispositivos tecnológicos. Se você não pode, por questão de respeito, se meter a qualquer momento e em qualquer conversa presencial de seu companheiro ou companheira, o mesmo se aplica às conversas não presenciais dele ou dela e vice versa. Se você não pode ver as gravações de um drone com todas as interações dele ou dela, você também não tem o direito de acessar os registros das conversas em redes sociais a seu bel prazer e fazer isso não é prova de confiança.
Por fim, por mais que eu não veja como o adequado, para alguns casais ter tudo em conjunto pode não lhes causar grandes problemas. Até conheço quem seja desse jeito:
Brenda: Joelson, a minha resposta é muito baseada no meu relacionamento e na minha não afeição por redes sociais. Eu acho que o "devem ter acesso" é muito complicado, pela significação de vigilância, um relacionamento que você só vigia e bisbilhota as coisas do outro é um saco. [...] Uma outra questão é que depende do casal. Há casais que compartilham tudo, e não se trata de uma questão de vigiar, mas saber/ajudar um ao outro. Comigo foi mais ou menos isso. Quando eu vim para Maringá, fiquei sem internet um bom tempo. Mas o Pedro tinha, então ele ficou incumbido de me ajudar e me avisar quando no grupo da sala tinha tarefas e recados. A situação inversa também ocorreu. Hoje eu tenho a senha dele, ele a minha. Mas não entramos, se não por um pedido. De verdade, nunca parei para entrar no face dele para "investigar". Talvez por que, ele não dê sinais.. motivos para desconfiança (mas confesso que se eu percebe alguma mudança de comportamento muito sugestiva eu entraria... Kkkkkkkk). Se ele precisar fazer alguma ligação, mandar e-mail, recado pelo whats, ele tem livre acesso ao meu celular e o mesmo para mim. Mas acho que é do casal, alguns vão sentir ter a privacidade invadida.. Outros não.
Notem que bacana a relação da Brenda com o Pedro! Até compartilham, mas não tem nenhuma ligação com o fato de precisarem disso pra confiarem um no outro e sim uma questão de necessidade e praticidade. Logo, até é possível compartilhar e se for assim, como bem disse o Rafael, "que seja natural e espontâneo. Pode até ser conversado antes, claro, mas que seja sem pressão. E entenda que se o relacionamento for uma eterna busca por evidências de que tem algo errado é melhor pensar bem se vale a pena ficar nessa"³.

PS: o texto Troca de senhas: você precisa mesmo dar a sua? também é interessante para pensar mais sobre o assunto.